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Dizia meu amigo Van de Oliveira Grogue, já embriagado, no bar do Bafão, numa verdadeira “sessão nostalgia”, sobre seu passado infantojuvenil:
- A gente fazemos o que podemos.
- Geralmente não eram muitas, e nem volumosas as coisas, que consideraríamos úteis nos dias atuais – completou Billy Rubina segurando, com firmeza, a lata usual de cerveja que lhe cabia, em decorrência da força do hábito.
Van que tinha por costume recostar-se na parede externa, do bar esquinal, com a lata na mão, onde observava o movimento do trânsito nas ruas, e dos pedestres nas calçadas, confabulando animadamente com seus achegados, agora no balcão, dentro do boteco, percebendo enevoados os carros e as pessoas, tentou findar o assunto:
- Nem ligue...
- Esse “xarope” fuxiquista tinha a mania de escarafunchar, bisbilhotar, as coisas alheias. Mexia em tudo o que não era dele. Até mesmo nos escritos particulares, privativos, confidenciais, dos cadernos escolares dos irmãos, ele xeretava, indo depois espalhar os segredos entre os colegas todos dos bares da cidade – denunciou, com mais força, Billy Rubina.
Bafão que enxaguava os copos naquela pia fincada na parede, debaixo duma prateleira imensa, onde jaziam enormes fileiras de garrafas de bebidas, julgou sentenciando:
- Que coisa feia, seu Van. Isso, invasão de privacidade, não se faz com parentes e nem os amigos.
- A gente éramos crianças. Naquele tempo Juscelino Kubitschek de Oliveira era o presidente do Brasil, Jânio da Silva Quadros governava São Paulo – respondeu, em sua defesa, o atordoado Van ensaiando uma aula de história.
- Consta dos anais familiares que esse malquisto bebedor violava o armário onde um parente visado guardava seus escritos em diários e, copiando o que podia, ou até mesmo arrancando algumas páginas, delatava depois pra mãe e os irmãos, o que o escrevedor dissera sobre eles – continuou Billy reforçando a carga acusatória.
- Diziam, e eu estou sabendo, que certo colateral escrevia muitos xingamentos naqueles diários; redigia tudo sobre todos. Os cadernos eram uma espécie de latrina em que, aliviando os dejetos da roupa suja familiar, esse bode espiador ocasionava as catarses necessárias – esclareceu Bafão ao terminar de lavar o último copo.
- “Garraram” tanto ódio dele que além de dar indiretas sobre os temas dos escritos, um deles esculpindo, com um canivete, uma espécie de tacape, bateu com ele no cabeção do escriba, fazendo com que o tal fosse enviado ao pronto socorro onde recebeu seis pontos na cabeça. Isso tudo sem falar no golpe no braço direito, com a chave de fendas que lhe abriu um “córrego” na altura do cotovelo e que, também, foi fechado com quatro pontos de linha categute.
- É seu Van... Que feio espionar desse jeito as pessoas.
Enquanto Bafão e Billy Rubina entreolhavam-se satisfeitos e cúmplices entraram no recinto dois homens vestidos de preto e com crachás no peito. Ante o olhar surpreso dos presentes eles se apresentaram:
- Polícia. Quem é o Bafão e quem é o Billy Rubina?
Quando os dois se identificaram, levantando o indicador da mão direita, um dos policiais, entregando a cada um deles um documento impresso concluiu:
- Intimação do doutor delegado no inquérito que investiga denúncia de violação de correspondência.