Maio 31, 2018
Fernando Zocca
Desde criança sempre fui um leitor voraz. Aos oito ou nove anos, sem ter outras distrações em casa, como o rádio ou a TV, a opção mais à mão era a leitura de livros.
Mas confesso que elas não eram das melhores. Eu saboreava os livros de bolso geralmente histórias policiais, daquelas das gangs de rua, escritas por autores norte-americanos, como por exemplo, Shell Scott*.
Era comum encontrar livros no quintal da casa da minha tia Olanda. Não me esqueço do 2455 a Cela da Morte de Caryl Whittier Chessman (1921 – 1960) conhecido como o bandido da Luz Vermelha.
Outro livro que encontrei, tendo lido em pouco tempo, foi Eu e o Governador de Adelaide Carraro (foto). Não poderia mencionar todas as obras lidas por mim, mas desde muito jovem fui frequentador da Biblioteca Pública Ricardo Ferraz de Arruda Pinto.
Quero com isso dizer que desde então, logo depois dos primeiros contatos com os livros, um desejo enorme de escrever histórias tomou posse do meu espírito.
Lembro-me que tinha a necessidade básica de possuir uma máquina de escrever, sem a qual o exercício da atividade não teria tanto encanto. Eu pensava: “O sujeito pra ser motorista de táxi, precisa ter um carro. Um escritor, pra ter um bom desempenho, carece de uma máquina de escrever legal”.
O tempo passou rapidamente e em 1982, já possuindo a tal da máquina de escrever, e tendo aprendido numa escola a manuseá-la, praticamente em 30 dias, escrevi o que chamei de Rosas Para Ana.
Depois de terminado o que os autores conhecem como originais eu precisava publicá-los. Mas o preço das gráficas eram tão altos que não havia como concretizar o sonho. A dificuldade era tamanha que eu teria até feito uma promessa de que se eu conseguisse publicar o livro, destinaria os direitos autorais a uma instituição de caridade.
Na década de 1980 o sujeito pra ter um telefone tinha de entrar numa fila imensa de espera. Os aparelhos eram fixos e valendo uma fortuna, eram pagos por meio de carnês enormes contidos com mensalidades infindáveis.
Uma das alegrias que tive foi quando instalaram o meu primeiro telefone. Numa ocasião, por trabalhar na prefeitura e me deslocar a pé, todos os dias, cobrindo uma longa distância, um parente próximo propôs um negócio: em troca do meu telefone ele me daria um Chevette praticamente novo.
Não aceitei, mas a possibilidade da troca da minha linha telefônica por 1.000 exemplares do Rosas para Ana, impressos por um gráfico recém chegado a Piracicaba me convenceu.
O lançamento do livro aconteceu no Clube Cristóvão Colombo sob o patrocínio da Academia Piracicabana de Letras.
Com os livros nas bancas de jornal e em casa, passei a vendê-los aos amigos e conhecidos com quem encontrava.
Abri uma conta poupança na Caixa Econômica Federal onde nela depositava, uma ou duas vezes, praticamente todos os dias, durante uns seis meses, o produto do meu esforço.
Um dia quando saia da agência da Caixa situada na Rua Prudente de Morais fui abordado por duas pessoas que me contaram uma história bem triste: o mais velho dizia que morava numa cidade perto e que por ter sua esposa falecido, desejava mudar-se pro Paraná.
Ele brigara com seus filhos e não tinha mais como permanecer na casa onde morara por um longo tempo com a sua mulher. Praticamente chorando ele narrou que a falecida já não bebia água, mas sim refrigerantes, tendo com isso o agravamento da saúde vindo a falecer depois.
O papo foi longo. O velhinho me ofereceu a metade da sua propriedade a um bom preço. Achei que a proposta não era ruim; convidei-os a comparecerem ao meu escritório no dia seguinte com os documentos pessoais e os do imóvel.
No dia seguinte lá estavam os dois com os papéis solicitados. Assim, fomos ao cartório de notas da cidade; lavrada a escritura de cessão de direitos hereditários, paguei o preço pedido.
As duas pessoas sumiram. Eu lancei a escritura numa gaveta tendo-a esquecido até quando resolvi procurar os herdeiros da vovozinha falecida.
Soube que o vendedor também falecera e que os filhos não aprovando o negócio feito pelo pai, negaram-se veementemente a sequer conversar sobre o assunto.
A casa e seus atuais habitantes estão numa situação tal que não compensaria o emprego do tempo numa discussão sobre o que era, ou é, certo ou não.
Consciente ou inconscientemente a destinação dos direitos autorais teria cumprido a promessa feita antes da publicação do Rosas para Ana.
*Shell Scott é um detetive particular fictício, criado pelo escritor norte-americano Richard S. Prather; sua primeira aventura foi publicada em 1950.