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O Prato do Dia

O Prato do Dia

Abril 03, 2020

Fernando Zocca

 

 

 

 

 

 

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Muito atento aos males e problemas causados pela fome, um cidadão, em Tupinambicas das Linhas, resolveu iniciar um programa municipal de experimentos culinários.

Numa reunião no gabinete com Jarbas, (o eterno, caquético, quase imperador) prefeito da cidade, o jovem professor Joshep Embrulhanus, que circulava pela cidade com um veículo velho movido à óleo diesel, poluindo-a diuturnamente com fumaça tóxica disse:

- Senhor prefeito, então é assim: todos nós sabemos que a fome faz a cada dia inúmeras vítimas. Com o encarecimento do arroz, feijão, mandioca, trigo e tudo o mais usado na alimentação do nosso povo, pensei eu em diversificar as fontes da alimentação humana.

“Na China, como é notório, o pessoal não se vexa em enchurrascar cães, gatos, cobras e tudo que possa ser frito ou assado.

“É claro que em Tupinambicas das Linhas quase ninguém se sente confortável ao fritar um poodle ou outro cão vira-lata qualquer, mas em nosso laboratório na Escola Superior de Lavoura, as experiências nos mostram que os mamíferos não seriam tão somente as únicas e possíveis fontes de saciação da fome do povo.

“De fato, a nossa proposta inicial passa também por minhocas, abelhas, moscas, baratas, pernilongos, pulgas, gafanhotos e, inclusive morcegos. Veja que, numa de nossas experiências, o espaguete de minhocas pareceu-nos tão realizável e nutritivo que, submetido à apreciação de um colegiado de gourmets, recebeu nota 10 da maioria da banca."

Diante do olhar penetrante do prefeito que, com o cotovelo direito apoiado na mesa, segurando com a mão o queixo, batendo lenta e ritmadamente, com a esquerda a ponta de uma caneta Bic, no tampo da mesa, o professor Joshep Embrulhanus continuava a sua aula:

- Perceba senhor prefeito que os alunos, de todas as nossas escolas, estarão num futuro breve consumindo um produto farto, abundante na natureza. Primeiro porque não há tanta demanda por tais produtos e segundo que entre os insetos a proliferação não escasseia. Entende?

- Mas, com certeza gafanhotos não receberiam tanta aceitação dos nossos alunos. Imagine uma criança chegando em casa depois de passar o dia inteiro na escola dizendo pra mãe: “mãe, hoje, na escola, almoçamos gafanhotos ao molho pardo”. Seria uma vergonha! – ponderou o prefeito.

- Certamente que pernilongos, baratas, gafanhotos, moscas e outros insetos seriam servidos na forma não somente salgada, mas também em doces. Já pensou nos bolos de cenoura feitos com extrato de baratas cascudas?

- Eu não sei não... Acho que não vai dar certo... – resmungava o prefeito mais careca do que bola de bilhar.

Embrulhanus sentiu certa raiva ao ouvir as razões contrárias ao seu projeto.

- Pense bem senhor professor doutor, em quanto gado deixaremos de consumir. Menos gado, menos pastagens, redução de canaviais, portanto mais terreno livre para os condomínios de luxo. Já imaginou quanto suas imobiliárias e incorporadoras não faturariam com os luxuosos condomínios residenciais a serem construídos no entorno da cidade?

Enquanto o professor Embrulhanus falava entrou no gabinete a chefe de gabinete do prefeito. Era uma senhora bem idosa, obesa, ofegante, que fora por anos e anos a fio chefe do departamento do Instituto do Serviço Social da Federação.

Com um gesto ela pediu que o prefeito aproximasse seu ouvido da boca que ela, com a conchinha da mão direita, procurava abafar. Ela então sussurrou:

- Lindinho... É o seguinte... Sabe aquele presidente do sindicado dos funcionários que insiste em criticar os salários baixos? Lembra daquele débil? Ele escreveu até um artigo na revista Olhe da Editora Maio Cultural dizendo que os salários estavam baixos e fez o maior auê contra a nossa administração?

Diante da concordância do prefeito que, com um gesto de cabeça, pediu também que ela prosseguisse, a vovó continuou:

- Então, bem... O chefe da guarda descobriu um plano terrorista feito pelo funcionário reclamão: ele, o revoltado, junto com outros colegas, pretendia explodir os dutos de fornecimento de água da cidade.  Sabe aquela estação de coleta de água do rio Tupinambicas das Linhas que abastece a cidade toda com água potável?  O camarada queria destruir tudo. Vai vendo...

Enquanto a vovó cochichava no ouvido do Jarbas o professor Embrulhanus não continha a ansiedade:

- O senhor prefeito prefere que eu volte em outra ocasião?

- Não, não. Imagina. A secretária já está de saída – respondeu o alcaide.

Depois do recado a chefe de gabinete saiu pisando com cuidado, lentamente. Ao fechar a porta o professor continuou:

- Então, senhor professor, doutor prefeito: o nosso projeto é muito abrangente. Veja que a novidade lá do nosso laboratório da Escola Superior de Lavoura consiste num patê feito com coxas, asas e pés de morcego. Inclusive estamos com a nossa produção mensal pronta pra ser entregue nas escolas. Só precisamos do seu aval, do seu consentimento.

Nervoso e agitado com a notícia que sua chefe de gabinete lhe dera o prefeito falou ao professor:

- Está muito bem professor Embrulhanus. Por mim seu projeto está aprovado. Mas, agora o senhor me dê licença. Preciso cuidar de um problema grave. Imagine que tem um funcionário descontente com os salários e que, por vingança, quer destruir o fornecimento de água do município – disse Jarbas saindo da sala.

O professor Embrulhanus caminhou até a porta, ingressou no hall, esperou o elevador e descendo até o andar térreo, esfregava as mãos de contentamento.

Quando saiu à rua, ao encontrar com sua sócia, a empresária Mary Garoupa disse:

- Tudo aprovado. O prefeito Jarbas concordou. Pode distribuir essa nossa produção de patê em todas as escolas do município.

- Nós temos quase uma tonelada de patê embalada. E a “ferpa”, o “cascalho”, o “faz-me rir”? – inquiriu Garoupa esfregando o indicador e o polegar da mão direita

- Não se preocupe com isso. Precisamos reforçar a nossa produção. Temos de descobrir novas cavernas com morcegos. “A gente vamos” ficar ricos bebê!

Se você gosta do nosso trabalho e quer nos apoiar ficamos-lhe gratos.

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