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O Prato do Dia

O Prato do Dia

Dezembro 18, 2019

Fernando Zocca

 

 

carta manuscrita.png

 

Chega mesmo a intrigar a intensidade das manifestações da raiva de certas pessoas. Qual seria a causa disso tudo?

Para ilustrar o assunto consignamos o caso duma mocinha que, recém saída da adolescência, vivendo um ódio tão intenso, não conseguiu manter-se na casa de seu pai, mudando-se para uma cidade vizinha.

Em a nova urbe ela empregou-se num hotel onde teria a função de camareira. Durante os dias sua função era a de arrumar as camas dos hóspedes, faxinar os quartos, dentre outras atividades.

Apesar de ter a sua disposição todo o suporte básico para uma vida confortável como roupas limpas, boa alimentação e boas horas de repouso, ela ainda não estava satisfeita.

Nas horas vagas ela buscava projetar o que chamava de mísseis aleatórios com os quais pensava em atingir, na cidade vizinha, a pessoa que lhe despertava o ódio tão intenso.

- Bom, usarei o gás butano e o ar comprimido para a propulsão do aleatório que, de certa forma, terá um dia, o alvo certo – pensava ela durante os momentos livres, depois das atividades diárias cansativas.

Nas madrugadas insones quando ouvia sussurros nos quartos vizinhos, onde casais festivos manifestavam as mais legítimas atividades libidinosas, ela matutava:

- Se as garrafas pet não forem suficientes para a contenção dos gases usarei camisinhas que, infladas com o butano e o ar comprimido, injetados numa camarazinha de combustão, impulsionarão o projétil fazendo-o chegar ao alvo.

Apesar de estar na posse da mais absoluta certeza sobre a funcionalidade do projeto, a jovem não obtinha sucesso na execução prática do intento.

Então depois de meses de tentativas, frustrações, choros e mordidas na própria mão e também diante da possibilidade da rescisão do seu contrato com a direção do hotel ela, ao invés de finalizar os aleatórios, resolveu aquela sua angústia momentânea, escrevendo uma carta ao pai. Na missiva ela desancava o progenitor, atribuindo a ele, e seu comportamento considerado babaca, toda causa da vida sofrida que dispunha.

Lançada na base dos correios da cidadezinha pacata, o projétil atingiu o alvo colimado. Foi a mãe da rapariga que, ao presenciar o bólido, desarmou-o antes das consequencias terrificantes.

Sim, meu amigo leitor, apesar do desabafo proporcionado pela escrevinhação ofensiva, aquele seu ódio ressurgia mágica e desconfortavelmente toda vez que, nos corredores do hotel, ao passar defronte os quartos dos hóspedes, ouvia as emanações sonoras oriundas das conjunções corpóreas.

- Ai, Jesuis! Que conflito nauseabundo! – murmurava a doidinha arrastando as chinelas nas passarelas dos corredores.

- Mas e esses moços bonitos, gentes finas, bem vestidos e perfumados que vicejam pelos salões do hotel não amenizariam as ebulições hormonais na lindinha, ó Creuza? – quis saber Elza Bumba, certa vez, quando com sua companheira, varria um dos corredores imensos da entidade.  

- Ih, minha filha, ao que me parece com essa aí não haveria alternativa do que tiro, facada e bomba.

Mas olha como são as coisas: a gerência do hotel rescindiu o contrato com a odienta e ela não teve outra escolha do que a de voltar para a casa dos seus pais.

É claro que ela receava a reação do papai diante da declaração de guerra com aquela carta míssil aleatório que, num momento de aflição intensa, destinara a ele.

Diante do pai, que não esboçou reação alguma, quando ela, de volta pra casa, depositou suas malas na sala, a doidinha não imaginaria que ele jamais soubera sobre as afrontas ditas por ela naquele míssil tão desengonçado.   

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