Novembro 08, 2021
Fernando Zocca
Numa dessas sextas-feiras, antes da grave lesão sofrida na perna esquerda, resolvi ir à São Paulo de ônibus.
Parei a moto no local apropriado da rodoviária, defronte ao ponto de táxi; caminhando com muita leveza, (eu corria 6.400m três vezes por semana no parque do Bairro Santa Cecília, por isso estava magrinho, esperto), fui ao guichê adquirir a passagem.
Com o bilhete na mão, pensando em onde deixar a minha viatura, encontrei uma pessoa conhecida que morava ali perto (que sorte, hein?); depois de combinarmos, deixei a moto na casa dela.
Achei que poderia, com o tempo que me restava até o embarque, tomar um café ali no balcão da lanchonete. Então guardando o papelzinho e o troco no bolso fui caminhando distraidamente.
Pessoas iam e vinham e de repente, sem querer, eu juro, esbarrei numa pessoa alta, cabeluda, rosto bem barbeado que com o meu encontrão derrubou algo (que parecia ser um livro bem grosso) no chão.
Ao parar e me desculpar qual não foi a minha surpresa ao ser recebido com uma enxurrada de palavras tipo discurso de político irado pedindo que os oponentes o respeitassem.
Em altos brados, que chamaram a atenção das pessoas do entorno, a pessoa (olha, já disse, muitas vezes e aqui quero repetir que não ou homofóbico), esgoelando e desmunhecando muito, ela exigia ser tratada com mais acatamento ou sei lá o quê. Eu fiquei bestificado.
Sem entender por que um ato simples, corriqueiro, gerou uma reação tão violenta, desbancante, destratante e humilhante, comecei a olhar ao redor para ver a reação das pessoas que estavam por perto.
Um moço com o rosto avermelhado, tirando os óculos embaçados, mostrando-se constrangido, olhou-me e disse em voz baixa:
- Não liga não. Releve. Esse ai é sensível. Todo mundo sabe que passa a maior parte do dia nervoso, insatisfeito, querendo mudar o mundo de forma ríspida e arrogante.
- O senhor me respeite do jeito que eu respeito o senhor – disse ainda com muita fúria o moço sensível.
Então eu continuei:
- Você me perdoe, não foi por gosto, ou má intenção. É que não vi mesmo o seu bout*, sua fesses** abauladas.
- Você não... Advogado! Sou advogado e exijo respeito! Quero que você me respeite – continuou a criatura num acesso de chilique.
Surpreso com a reação inesperada do moço sensível, eu não sabia o que fazer. Então um dos sujeitos que estavam atrás de nós, esperando o andar da fila disse em voz sussurrada no meu ouvido:
- Manda tomar no c.
Outro presente, que também testemunhou a cena de histeria, respondeu:
- Ih... Não adianta. Eu já mandei, mas ele não vai.
Bom para resumir a história, perdendo a vontade de tomar o café, saí da fila, indo direto para a plataforma de embarque onde o ônibus já estava com o motor ligado e o motorista, na porta conferindo as passagens, esperava (ainda bem, os retardatários).
Este é um texto ficcional. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Para fortalecer o Blog envie a sua colaboração pelo PIX usando a chave 55 19 994701551.
-------------------------------------------------------------------------------
* Bout. Palavra francesa que em português significa bunda.
** Fesses. Palavra francesa que significa nádegas.