Maio 07, 2021
Fernando Zocca
Num dia desses fui à São Paulo de ônibus. Por causa dessa pandemia e as restrições impostas ao seu combate, não havia muitos passageiros no momento em que embarquei.
Entretanto várias poltronas estavam ocupadas, sendo que a da frente, de onde eu me encontrava, uma garotinha (ela devia ter uns 10 ou 11 anos) e um senhor, bem idoso, conversavam animadamente. Eu estranhei a atitude daqueles seres humanos, principalmente diante do fato de que, hoje em dia, as pessoas quando se encontram, dão mais atenção aos celulares do que ao interlocutor à frente.
Em menos do que 10 minutos, depois do embarque, já rodávamos rapidamente saindo da cidade.
- Bom, no caso, seu avô morreu em decorrência das interrupções antagônicas àquele sistema eletroquímico existente no seu coração – dizia o vovô à menina que, naquele momento, ingeria um “sanduba” pago pelo velhote.
- Como assim? Eletricidade no coração? – perguntou a menina, que tinha longos cabelos negros, mantidos presos como rabos de cavalo.
- É verdade. Mas pra você entender isso precisa saber como tudo começou: Foi um tal de Daniell, John Frederic Daniell um meteorologista e professor inglês que, modificando o antigo sistema de produção de energia elétrica, conhecido como pilha de Volta, organizou o esquema possibilitador de conhecermos o fenômeno eletricidade. Esse engenho levou ao que hoje entendemos como pilhas, usadas em muitos aparelhos domésticos.
- Sim, mas o que isso tem a ver com o coração? – inquiriu a mocinha tentando conter um pedaço do recheio do sanduichão que ameaçava escorrer-lhe peito abaixo.
- É que com o passar do tempo novas experiências, e informações, foram se acumulando podendo perceber-se então que o fenômeno elétrico ocorria também nos tecidos vivos, dos animais, das pessoas, entende?
- Sei. Daí surgiram os conhecimentos eletroquímicos eletrobiológicos, a bioeletricidade?
- Exatamente. Mas quem contou isso pra você? - inquiriu surpreso o tiozão terceira idade.
- Foi um estudante da república que trabalhava também na padaria onde eu ia recolher recicláveis. Naquele tempo eu puxava carroça. Tá vendo minha mão como tem calos grossos? Mas, Eu conheci um tal de Daniel; ele morava numa casa bem feia, na beirada dum terreno, na verdade numa depressão, ou melhor, num buraco, perto do córrego que passa lá embaixo. Sabe lá embaixo? Então! O pai dele era motorista da prefeitura. Diziam que o "veinho" não trabalhava. Só aparecia de manhã pra assinar o ponto e caia fora, voltando à tardezinha quando anotava a presença.
- Sim. Mas esse é outro tipo de questão, outro problema. É coisa política e consequentemente diz respeito aos desvios de verbas, dinheiros públicos, corrupção. Não é nosso assunto, no momento.
- É verdade. Eu notei que aquele Daniel, que vivia naquela espécie de cova, ficava o dia todo em casa, sem ter o que fazer, só esperando o bem bom que lhe vinha às mãos.
- Se fosse inteligente como o nosso John Frederic Daniell, aproveitaria o tempo, e a situação, para criar alguma coisa útil à própria família ao invés de desejar destruir tudo o que lhe causava inveja e ódio.
Rapidamente nosso ônibus passou por Santa Bárbara, Americana, e Campinas parando em São Paulo, exatamente no Terminal Rodoviário Tietê.
Quando descemos notei que o velhinho estava emagrecido, mas puxava eletricamente a jovenzinha segurando-lhe firmemente a mão.
- Vamos pegar um táxi – disse ele e, depois ao motorista: - direto pro hotel.
- Que hotel nós vamos, tio Luis Sabino?
- Não esquente a cabeça Bia. E quando a gente voltar eu quero que você não conte nada a ninguém ouviu?
- O que a gente vai fazer lá tio Luis Sabino?
- Digamos que vamos recarregar as pilhas. Você vai ver.
E foi assim que Bia, deixando de ser aquele burro sem rabo insosso, inaugurou uma nova fase na sua vida que duraria alguns anos até que se amancebasse com o pascácio padrasto dos seus filhos.
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