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O Prato do Dia

O Prato do Dia

Outubro 11, 2021

Fernando Zocca

 

 

No cafofo de Donizete Pimenta e Dani Arruela, logo ao anoitecer, daquele domingão de outubro, foram chegando devagarinho, sem muita estrepolia, Célio Justinho, e sua concubina Luisa Fernanda, pra mais uma folie a deux, arraigada na patota há muito e muito tempo.

Luiza Fernanda, a gerente bancária tão antiga quanto as caravelas de Pedro II, considerando-se a criatura mais influente que o Faustão, durante o seu programa domingueiro, portando enorme quantidade de Pen Drives contentores de centenas de gravações musicais, desembarcou do seu Ford preto defronte a casa do Donizete pensando em alegrar aquele pessoal todo, há algumas horas reunido.

- Hoje, em que pese o fato de não termos nesta humilde residência, uma piscina supimpa, e nem uma churrasqueira profissional, nós faremos a reunião festiva com a finalidade de lembrarmos o saudoso Hein Hiquedemorais que, por gostar tanto dos churrascos de maminhas, chuletas, coxão mole, duro e palheta, foi parar naquele nosocômio, onde por algum tempo, submeteu-se às técnicas de desobstrução intestinal – disse solenemente Célio Justinho às pessoas que o assistiam desembarcar da viatura.

- Olha os fecalomas do vovô Hein Hiquedemorais eram tão sólidos que o pessoal da enfermagem pensou até em usar um novo equipamento recém inventado que se assemelhava a britadeira; era portátil e facilmente manuseável – comentou Luisa Fernanda completando as informações do maridão Célio Justinho.

- Gente, deixemos de lado os teretetes, os entretantos e principiemos logo tudo, pra que antes das duas da manhã, “a gente possamos” terminar essa bagaça – opinou Delsinho Espiroqueta ao coçar a virilha pensando no seu antigo, sincero e verdadeiro amor o delgado, magérrimo, feio e ranzinza Zé Laburka, o “turco” nascido na área de charque de Tupinambicas das Linhas.

- Lá na charqueada, meu amigo, se “agente fizéssemos” esse tipo de coisa, a vizinhança nos escorraçaria às pauladas – falou com voz grossa a vovó Bin Slave Latem quando encostava o seu Galaxie 69 defronte a casa do Donizete Pimenta. Ela desceu batendo três vezes a porta do calhambeque - Mas como estamos num trecho do bairro em que todo mundo fala e ninguém ouve, aproveitemos - finalizou a anciã.

- Ei vó, eu não sabia que a senhora viria – exclamou admirada Luisa Fernanda.

- Ah, neguinha, pra quem foi chefe de gabinete por anos e anos a fio daquele caquético energúmeno, uma foliazinha a deux a mais não faz mal.

- Vovozinha, é verdade que o Jarbas, o quase rei, aquele que ficou mais tempo na função de prefeito, que Pedro I na de imperador, deixou a vida política? – questionou Dani Arruela manipulando as latas vazias de cerveja, tirando-as duma caixa de papelão, colocando-as num saco plástico.    

- Ih, filhinha, nem me fale mais nessa criatura. A pessoa pintou e bordou, sacaneou a cidade toda com as fraudes nas licitações e agora, por meio dos seus quadrilheiros, quer aprovar uma lei federal que dificulta a condenação dos crimes contra a administração pública. Pode isso eleitor?

A ex-chefe de gabinete continuou:

- Gente deixemos de lado essa papagaiada toda e iniciemos logo a nossa sessão em homenagem ao grande e inesquecível Hein Hiquedemorais o velhote que, por causa dos estercoromas, precisou duma temporada na clinica de repouso.  

 - Só uma coisinha rápida: vovó tendo a senhora mais experiência que os engenheiros da NASA, responda agora aqui pra mim: essa sua viatura, foi mesmo adquirida do doutor Carneiro, o alienista que, na oitava década de vida, simulou a própria morte, alegando aos mais íntimos que desejava testemunhar, de longe, e no anonimato, os desenrolares das quizilas da cidade mais famosa do estado de São Tupinambos? – interrogou Zé Laburka.

- Sim essa minha condução foi mesmo comprada do professor doutor Carneiro meses antes da esposa dele anunciar a sua morte.

- Ai que chato, não? – comentou Donizete pensando no almoço que faria no dia seguinte.

- Gente... Gente... Vamos começar a função, já são dez horas – convocou Luisa Fernanda batendo palminhas como fazia seu amigo Gelino Ambrulhano, o professor-diretor de escola ao convocar, cheio de vigor, no pátio do recreio, os alunos para o início das aulas.

Então em homenagem ao Hein Hiquedemorais, aquele que tinha o intestino “preguiçoso”, o fandango foi até as duas horas da manhã, insento de queixas e reclamações.

 

* Folie a deux: Folie à deux, é um conjunto de sinais e sintomas de transtornos delirantes, duma sujeita psicótica, caracterizado pelo contágio dos tais delírios, a um ou mais sujeitos, com quem ela tem relacionamentos pessoais íntimos.

 

Julho 12, 2021

Fernando Zocca

 

 

fred mercury.jpg

 

Se Fred Mercury (foto) vivesse em Tupinambicas das Linhas seria, por causa daquela proeminência dentária, certamente apelidado de castor.

A dentuça do Van de Oliveira Grogue fazia também lembrar os castores, aqueles animaizinhos que vivem construindo barragens usando pedras e gravetos cortados com os dentes afiados.

- Esses dentes são seus, Van insolente? – inquiriu certa ocasião Marina Baldwin quando o moleque chato, no quintal da casa dela, riu desbragadamente do seu irmão ao vê-lo enfiar o dedo na cloaca da galinha em busca de possível ovo.

Mas então, por não deter aquelas condições mínimas para frequentar satisfatoriamente um bar todos os dias ele, em certa ocasião, muito sutilmente, foi convidado por um anão, também conhecido como pintor de rodapés, ou mensageiro das decaídas, usuário das botinhas sem meias, a conviver noutro ambiente, onde havia similaridade com a condição de dentuço, (castor miserável), que não tinha dinheiro nem pra pagar a mísera pinga diária.

Naquele outro boteco, pra onde Van foi levado num fusca vermelho, o castor era outro: seu patrono inspirador, que avivava o ambiente, o Castor Gonçalves de Andrade e Silva, Castor de Andrade, bicheiro e cartola comandante da contravenção no Rio de Janeiro era a alma daquele trecho insalubre, doentio, da região central da cidade.

- Bom, fazer o que com quem não dispõe de nada além de um radiozinho a pilhas usado? – inquiriu um dos chefões da tal loteria setorizada dos bichos.

- Manda pro Rio de Janeiro – respondeu outro sócio do botequim - Compra aquela porcaria de rádio portátil, só pra ajudar com as despesas da viagem e some com ele nas areias de Copacabana.

- Ah, mas não seria bom que fossem de carona até a cidade maravilhosa? – questionou Rosaneide a chefona barriguda, padecente de gengivite, que há décadas não via um falo amigo, tendo por esse fato delírios onde via adolescentes a exibir e oferecer as sensações daquele símbolo da fecundidade da natureza.

- Vai de carona, sim. Principia pegando ali na saída da cidade e sumam. Metam a cara pra outro lugar – sentenciou o olhudo das conjuntivas irritadíssimas por causa do exagero no consumo da “já-começa”.

E lá se foram pro Rio de Janeiro, viver alguns dos piores dias das suas vidas, aqueles dois idiotas que, iguais a folhas secas caídas ao chão, vagavam dum lado a outro conforme sopravam os ventos.  

 

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Junho 24, 2021

Fernando Zocca

 

Eu sou chique, bem! – exclamou Marina Baldwin ao pegar a cópia dos estatutos da sua recém-criada A. A. M. T. (Associação das Atropeladoras de Motociclistas de Tupinambicas das Linhas).

- Sim, mas vai devagar preclara pessoa. Eu falei que a senhora precisava ter mais paciência. Não adianta se irritar com a demora decorrente da burocracia – respondeu John Charles Carcanhádigrilis o advogadão que acompanhara os trâmites da papelada no cartório de registro.

- Ai que chique. Agora vou reunir todas as mocréias embarangadas ou não, responsáveis pelo atropelamento dos motociclistas nesta cidade – exultou Marina.

- Antes que a senhora instale uma sede própria, contrate funcionárias e anuncie ao povo a constituição desta nova entidade pública de direito privado, cuja finalidade é proporcionar apoio mútuo entre as desmioladas, insanas e demenciadas motoristas lesadoras das pessoas condutoras de motocicletas, passe-me para cá os honorários combinados antes do início dos trabalhos, minha querida senhora.

- Vou pagar com cartão. O senhor tem a maquininha?

- É débito ou crédito, ilustre cliente desde os tempos em que os famosos Roberto e Erasmo Carlos eram meninotes a correr pelas ruas de Cachoeiro de Itapemirim?

- É crédito seu doutor advogado, faz o favor – Marina estava feliz, alegre ante a perspectiva de poder papear com as meliantes praticantes dos mesmos crimes, até dar câimbras na língua, sobre as lesões e consequências, médicas, civis e criminais dos deslizes praticados no trânsito louco da cidade.

Carcanhádigrilis sacou do bolso do paletó uma “minizinha” oferecendo a fenda para que Marina introduzisse o seu cartão.

- Vai devagar com esse trem aí dona. Não vá me arrombar o instrumento.

- Ai, seu doutor, eu sou delicadíssima. Veja como eu ponho, enfio, coloco... E então quebrou alguma coisa?

- Sem mais teretete ou tititi minha senhora; faça o favor de digitar a senha.

- Mas é isso mesmo, senhor doutor? Cinco salários mínimos pra esse servicinho que até um guardinha-mirim pode fazer? – perguntou Marina com o rosto vermelho feito um rubi.

- O que é combinado não é caro, minha senhora – defendeu o seu “cascalho” o advogadão mais barrigudo que sapo atormentado pela giardíase.

Efetuada a transação, Marina depois de chamar um motoboy pelo celular, engarupar no veículo e ordenar ao pobre trabalhador que fosse ao destino indicado, acenou tchauzinhos e assoprando beijinhos ao profissional aplicador do direito gritou para todos da rua ouvissem:

- Eu sou rica! Sou presidente da Associação das Atropeladoras de Motociclistas de Tupinambicas das Linhas.

Defronte ao cartório, uma aglomeração de pessoas, contrariando as orientações de combate ao Corona Vírus, assistia a comédia.

- É seu Zé Laburka, dona Dani Arruela, Luísa Fernanda, seu Célio Justinho e Donizete Pimenta: a situação é essa mesma. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Se não tiver sensatez esses doidos “tratoram” os ingênuos sem dó nem piedade – falou o vereador Laércio Bivisan quando passava ao lado da aglomeração com um Poodle debaixo do sovaco esquerdo.

 

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Maio 31, 2021

Fernando Zocca

 

 

guias de cães.jpg

 

- Aqui é o seguinte: quando nas reuniões, querem falar de você, na sua presença, sem que você nem imagine o que esteja acontecendo, eles trocam os pronomes pessoais, ou seja, no lugar de “ele” (que seria você ali presente), usam o “eu” – asseverou John Charles Carcanhádigrillis o advogado que, por muitos, mas muitos anos mesmo, fora procurador jurídico do então prefeito (quase imperador) Jarbas, o caquético extremamente testudo, à Lurdona Tonn Inn que, com seu marido Hein Hiquedemorais, consultava o causídico no seu escritório naquela tarde de quinta-feira.

O advogado estranhara a atitude do Senhor Hein Hiquedemorais que se negara terminantemente a sentar-se logo que chegara ao gabinete.

- Não. Fico de pé mesmo - respondera o consulente aos insistentes pedidos do causídico para que se sentasse.

- Sabe o que é seu doutor, meu marido sofre com uma hemorróida inflamada e segundo o nosso médico, a bichinha instalada há muito tempo no fiantã dele, está protrusa, por isso nem pensar em sentar – adiantou-se Lurdona justificando a atitude provavelmente considerada antipática do marido.

- É, mas podem usar também qualquer outro substantivo no lugar do pronome “ele”. Ou trocar o nome da pessoa presente por doutra ausente – continuou Hein Hiquedemorais parado ali de pé, num canto do escritório, como se fosse um vaso de cimento branco, com espadas de São Jorge, nele fincadas.

- Mas veja só que interessante, como funciona a cabeça dos sacripanta: os defeitos, os erros e os equívocos deles (sacripantas) são atribuídos aos antipatizados, enquanto que as vitórias, sucessos e feitos daqueles (antipatizados) de quem eles não gostam, são narrados como se fossem deles, os hereges odientos. Pode isso seu Hein? Pode isso dona Tonn Inn?

Nesse instante, o interfone tocou. O advogado atendendo soube que eram mais duas outras pessoas solicitando consulta.

- A senhora dona Luisa Fernanda, a gerente administrativa do Banco UN (Usura Nacional), juntamente com seu esposo Dr. Célio Justinho, desejam fazer parte da reunião – comunicou o advogado aos presentes.  

- Ah, sim, seu doutor, são minha filha e genro. Permita que entrem – falou Hein Hiquedemorais tossindo com a boca fechada logo depois dum acesso de soluços. “pena que não posso peidar aqui, se não, arreliava já, meu amigo” – pensou timidamente o seu Hein Hiquedemorais.

Ao entrarem Luísa, tomada por uma sofreguidão inusual, foi falando aos jorros:

- Gente, boa tarde. De quem é aquele Poodle branco, emporcalhado que estava tendo acessos de epilepsia bem ali no estacionamento do escritório, justamente quando chegamos?

- É um Poodle Toy banquinho, mas que está com os pelos compridos e sujos? – quis saber o advogadão.

Depois da confirmação do casal recém-chegado Carcanhádigrillis completou:

- É um cão vadio, vagabundo. Ele gosta de lamber a boca dos bêbados caídos nas calçadas. Ele prefere os que dormem defronte a padaria Broa de Mel. Conhecem? Fica bem aqui pertinho. O bicho passou a ter acessos depois de se empanturrar com as babas dum pinguço sofredor desse mal epiléptico.

A temperatura na sala aumentava quando então o profissional aplicador do Direito, levantou-se ligando o ar condicionado. Vendo a secretária que, abrindo a porta anunciava a chegada da vovó Bin Slave Latem a mais terrível, temidíssima estrategista das guerrilhas, quizilas, mal-entendidos, confusões, rixas, desordens, fuxicos, fofocas e destemperos existentes entre os moradores do bairro Vila Dependência, sentiu ele, o advogado, um arrepio de medo que lhe eriçou os pelos todos do corpo.

- Ah, é a Bin Latem? Pode mandar entrar dona Bruna, faça o favor.

A vovó foi entrando com passos lentos que lhe permitiam o excesso de peso.

- Boa tarde meu povo. Boa tarde minha gente. Tudo bem com vocês todos?

- Tarde vó – responderam os presentes numa só voz.

O pessoal foi se afastando, dando passagem, para a nona que vinha balançando a peitama e o bundão imensos, dum lado pro outro.

- Gente, estou tão cançada... Essa pandemia... Esse calor... Credo!   Mas é o seguinte pessoal – começou a falar a majestosa figura: - Vocês se lembram daquela menina, meio maluquinha, que tem uma lanchonete vizinha da casa dela e que num dia desses, avançando a placa pare, invadindo a via preferencial dum velhote, o atropelou mandando-o pra Santa Casa por 20 dias?

Diante do sinal positivo feito com um meneio de cabeça de todos os presentes a antiga e obesa pessoa (funcionária pública aposentadíssima de longa data) continuou:

- Então... O pai e o namorado dela gastaram uma baba preta de honorários de advogado pra provar que ela estava certa, que na verdade quem tivera culpa pelo acidente fora a própria vítima, que deveria frear sua bike antes de chocar-se contra o fonfom dela, mas apesar disso tudo a infeliz sente-se muito culpada e toda vez que ouve uma buzina, uma acelerada mais forte das viaturas que passam na rua, defronte a sua casa, a pandega passa tão mal que pensou até em tirar a própria vida. Portando eu estou aqui pra gente bolar uma simpatia a fim de que a meliante atropeladora, que invadiu a preferencial alheia, deixe de se sentir tão miseravelmente culpada e doente. Vocês têm alguma ideia?

Lurdona Tonn Inn levantou o dedinho indicador da mão direita como se fosse uma criança da sala de aula do curso de alfabetização do grupo escolar dizendo:

- Gente, é muito fácil. Essa cretina não parou onde deveria parar não é verdade?

A maioria respondeu positivamente.

- Então... - continuou a esposa do eclético, famoso, riquíssimo, ganhador da sena milionária, Hein Hiquedemorais amante das maminhas e chuletas dos churrascos dos finais de semana na borda da piscina de águas turvas – É só a gente colocar ela parada numa esquina, mesmo sentada e, quando vier alguém ela ao invés de levantar-se e passar na frente dos outros deve esperar pelo menos a passagem de no mínimo umas 10 pessoas. Eu disse dez pessoas entenderam?

- Nossa, que sacada de gênio dona Lurdona. Se fosse o final duma partida de tênis, no torneio de Wimbledon, a senhora  venceria fácil, fácil.

- A gente “fazemos” o que podemos. A gente não “fazeria” mais e melhor por falta de incentivo do governo – disse tomada pelo orgulho, toda cheia de si, a velhota baixinha.

E assim foi feito. De um jeito ou de outro, convenceram a doidíssima imprudente, negligente e imperita motorista meliante, atropeladora de velhinhos corocas, a ficar parada durante os 10 terceiros domingos de cada mês, numa das esquinas de sua casa, por pelo menos, três horas seguidas, esperando que 10 pessoas passassem à sua frente.

Gelino Embrulhano, Zé Laburka, Donizete Pimenta, Dani Arruela e Delsinho Spiroqueta, quando desciam a pé, numa ensolarada manhã de outono, pro centro da cidade, ao passarem por aquela moça idiotizada, sentada na mureta baixa da casa da esquina, simulando falar ao celular, tendo nas pontas das guias dois vira-latas, não deixaram de comentar o fato de que ao longo do reinado do Jarbas, Tendes Trame, Zé Lagarto, Vovó Bim Latem, Fuinho Bigodudo e Marina Baldwin, nunca houve uma proliferação tão grande de insanos durante toda a história de Tupinambicas das Linhas.

 

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Maio 07, 2021

Fernando Zocca

 

 

pilha-de-daniell.jpg

 

Num dia desses fui à São Paulo de ônibus. Por causa dessa pandemia e as restrições impostas ao seu combate, não havia muitos passageiros no momento em que embarquei.

Entretanto várias poltronas estavam ocupadas, sendo que a da frente, de onde eu me encontrava, uma garotinha (ela devia ter uns 10 ou 11 anos) e um senhor, bem idoso, conversavam animadamente. Eu estranhei a atitude daqueles seres humanos, principalmente diante do fato de que, hoje em dia, as pessoas quando se encontram, dão mais atenção aos celulares do que ao interlocutor à frente.

Em menos do que 10 minutos, depois do embarque, já rodávamos rapidamente saindo da cidade.  

- Bom, no caso, seu avô morreu em decorrência das interrupções antagônicas àquele sistema eletroquímico existente no seu coração – dizia o vovô à menina que, naquele momento, ingeria um “sanduba” pago pelo velhote.

- Como assim? Eletricidade no coração? – perguntou a menina, que tinha longos cabelos negros, mantidos presos como rabos de cavalo.

- É verdade. Mas pra você entender isso precisa saber como tudo começou: Foi um tal de Daniell, John Frederic Daniell um meteorologista e professor inglês que, modificando o antigo sistema de produção de energia elétrica, conhecido como pilha de Volta, organizou o esquema possibilitador de conhecermos o fenômeno eletricidade. Esse engenho levou ao que hoje entendemos como pilhas, usadas em muitos aparelhos domésticos.

- Sim, mas o que isso tem a ver com o coração? – inquiriu a mocinha tentando conter um pedaço do recheio do sanduichão que ameaçava escorrer-lhe peito abaixo.

- É que com o passar do tempo novas experiências, e informações, foram se acumulando podendo perceber-se então que o fenômeno elétrico ocorria também nos tecidos vivos, dos animais, das pessoas, entende?

- Sei. Daí surgiram os conhecimentos eletroquímicos eletrobiológicos, a bioeletricidade?  

- Exatamente.  Mas quem contou isso pra você? - inquiriu surpreso o tiozão terceira idade.

- Foi um estudante da república que trabalhava também na padaria onde eu ia recolher recicláveis. Naquele tempo eu puxava carroça. Tá vendo minha mão como tem calos grossos?  Mas, Eu conheci um tal de Daniel; ele morava numa casa bem feia, na beirada dum terreno, na verdade numa depressão, ou melhor, num buraco, perto do córrego que passa lá embaixo. Sabe lá embaixo? Então! O pai dele era motorista da prefeitura. Diziam que o "veinho" não trabalhava. Só aparecia de manhã pra assinar o ponto e caia fora, voltando à tardezinha quando anotava a presença.

- Sim. Mas esse é outro tipo de questão, outro problema. É coisa política e consequentemente diz respeito aos desvios de verbas, dinheiros públicos, corrupção. Não é nosso assunto, no momento.

- É verdade. Eu notei que aquele Daniel, que vivia naquela espécie de cova, ficava o dia todo em casa, sem ter o que fazer, só esperando o bem bom que lhe vinha às mãos.

- Se fosse inteligente como o nosso John Frederic Daniell, aproveitaria o tempo, e a situação, para criar alguma coisa útil à própria família ao invés de desejar destruir tudo o que lhe causava inveja e ódio.

Rapidamente nosso ônibus passou por Santa Bárbara, Americana, e Campinas parando em São Paulo, exatamente no Terminal Rodoviário Tietê.

Quando descemos notei que o velhinho estava emagrecido, mas puxava eletricamente a jovenzinha segurando-lhe firmemente a mão.

- Vamos pegar um táxi – disse ele e, depois ao motorista: - direto pro hotel.

- Que hotel nós vamos, tio Luis Sabino?

- Não esquente a cabeça Bia. E quando a gente voltar eu quero que você não conte nada a ninguém ouviu?

- O que a gente vai fazer lá tio Luis Sabino?

- Digamos que vamos recarregar as pilhas. Você vai ver.

E foi assim que Bia, deixando de ser aquele  burro sem rabo insosso, inaugurou uma nova fase na sua vida que duraria alguns anos até que se amancebasse com o pascácio padrasto dos seus filhos. 

 

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