Outubro 13, 2016
Fernando Zocca
Hoje, 13 de outubro, pela manhã, quando me dirigia, pela Avenida Alberto Vollet Sachs, ao Parque do Piracicamirim, onde pratico a minha corrida diária, fui parado por um cidadão, durante a travessia da Rua Mário Lordello.
De longe eu observara a pessoa que vinha no sentido contrário, gesticulando de forma ostensiva.
Quase perto, ele erguendo o braço direito acima da cabeça, e fazendo com o indicador da mão direita, um gesto que parecia o bico de pássaro a bicar disse em tom choroso:
- Tem cigarro, aí?
Paramos então no meio da via. Batendo no peito, exatamente onde ficavam os bolsos das minhas camisas usadas no tempo em que fazia uso do produto, disse-lhe que havia parado de fumar há mais de 20 anos.
Em tom de lamento, o sujeito muito alto, magérrimo, já envelhecido, ostentando um bigodinho fino sobre o lábio superior, que aparentava não ter dormido durante a noite segredou-me:
- Sabe... Eu quando acordo preciso tomar um café bem forte... É pra poder fazer tôtô... Você entende? Acontece que depois do café vem essa vontade de fumar. Eu fiz isso durante muito tempo. De uma xicarazinha passei a tomar uma xícara grande, depois uma caneca, e agora, nem com uma leiteira inteira consigo soltar o tôtô...
- Ô loco, meu – respondi-lhe admirado com tamanha desenvoltura em confidenciar intimidades, no meio da rua, pra pessoa desconhecida.
- É verdade. Agora com essa PEC 241 já não tenho dinheiro nem pro café e muito menos para o cigarro. Veja só que situação – lamentou-se ele.
- Já experimentou Actívia? – inquiri preocupado com os carros que passavam por nós estancados no meio da via.
- Não adianta. Não sai – respondeu ele triste.
- E o Almeida Prado 46? – insisti.
- Necas de catibiriba. Nada a ver. Veja a minha barriga, inchadíssima – garantiu o consulente passando a mão sobre o ventre coberto com uma camisa surrada, mantida por fora da calça.
- Mas tem um troço que não falha mesmo. Você deve conhecer: é o Lacto Purga.
- Nossa. Imagine. Não me fale. Esse eu já tomei, conheço muito. Mas nem que eu consuma feito pipoca não resolve mais a questão.
- Então não sei meu amigo... Procure um médico... Quem sabe? – disse eu tentando finalizar a conversa.
- Já fui ao médico e ele me mandou andar. É por isso que estou aqui. Eu ando. Mas pelo jeito não vai resolver. Isso é bem ridículo. Imagine o carma dessa gente: têm que andar todo dia pra se livrar da prisão perpétua do ventre – resmungou o sujeito em tom de revolta.
- É assim mesmo. Fazer o quê?
Quando nos separávamos, seguindo cada um o seu caminho ele me perguntou:
- Você vai ao Parque do Piracicamirim?
Diante da minha resposta afirmativa ele emendou:
- As privadas lá estão todas entupidas. Algum fracassado em fazer tôtô, com raiva de quem faz, deve ter descontado nos banheiros. É tôtô pra todo lado. Inundação total – concluiu o esquisitão rindo e se afastando.
Reiniciando a minha caminhada pensava nos danos que podem provocar as frustrações de quem não consegue fazer quase nada. Nem mesmo uns míseros tôtôs todos os dias.