Dezembro 27, 2020
Fernando Zocca
Leandro Vegettal era o maior comunicador interpessoal, intermunicipal e internacional que Tupinambicas das Linhas já produzira durante toda a sua história desde os tempos da fundação.
Sua importância no mundo a que se dedicava era tão notável e necessária que ele não podia sequer queixar-se de receber visitas durante até mesmo nas horas tardias da noite.
Numa ocasião, depois de mais ou menos trinta minutos que estava na cama, curtindo o quentinho do leito, sua empregada, contratada há mais de dez anos, entrou de supetão no quarto dizendo:
- Seu Leandro, seu Leandro, tem uma moça esquisita tocando a campainha nossa. Ela está parada na frente do portão. O que devo fazer?
Leandro Vegettal sentindo os achaques proporcionados a quem já passava dos 80 anos, tossindo, espirrando e tendo soluços ao mesmo tempo, sentou-se na cama, buscou com os pés as pantufas de gatinhos malhados, espirrou cinco vezes seguidas e, quando vestia as calças pra ver quem lhe procurava àquela hora - 10 da noite -, disse à sua servidora particular:
- Manda entrar a pessoa, que eu já vou atender – ordenou ele indo pro banheiro onde, pacientemente esperou o xixizinho sair.
- Mas o senhor nem conhece a figura. Vai ver é um bandidão querendo fazer maldade – respondeu Benedita parada defronte a porta aberta do banheiro.
- Deixa disso. Eu até já sei quem é. Manda esperar na sala que eu já estou chegando. É um minutinho só – concluiu o mestre, arrebitando a bunda ao soltar um longo e sonoro traque.
Benedita caminhou até a porta de entrada da residência fina, saiu pela área externa coberta pela grama baixa, e aproximando-se do portão da rua, de longe, observou quem estava a procura de algo àquela hora da noite.
- O que é, hein? – perguntou Benedita segurando o capuz que lhe cobria totalmente a cabeça.
- É que eu precisava falar com o senhor Vegettal. Ele está? – perguntou a visita inoportuna.
- Está sim. Mas não sei se ele vai poder atender. Espera um minuto aí que eu vou ver – murmurou Benedita mais tensa que corda de violino antes do concerto de recepção do senhor presidente da república.
A mocinha que, parada defronte ao portão daquela casa esquisita pensava intensamente na vergonha que sentiria se alguém conhecido a visse ali imóvel, estática, mais rígida que estátua do fundador da cidade.
Passados alguns minutos Benedita reapareceu, abriu o portão dizendo para a donzela:
- Entra e espera na sala. O professor Leandro Vegettal vai atender você.
A jovem, embarangada pelo cansaço, preocupando-se em se mostrar de forma que não provocasse má impressão durante aquele primeiro encontro com o famoso, considerado, sábio, multifacetado docente, filósofo, escritor, palestrante e o diabo a quatro na sociedade tupinambiquence, enquanto caminhava atrás da Benedita, levantando o braço direito cheirou as emanações do sovaco direito; ao pisar no segundo degrau da pequena escada que levava à sala, da renomada figura, aspirou os odores do sovaco esquerdo. Considerando que nada poderia fazer para amenizar os eflúvios da catinga, se acalmou ponderando que o mestre não perceberia nada.
A moçoila entrou assim, meio que acanhada, sentiu o aroma da sala, e obedecendo ao comando da Benedita sentou-se na poltrona velhinha, já bastante desgastada pelo senta-levanta das visitas elogiadoras da majestade do professor, descansando então aquelas suas ancas doloridas.
Benedita desapareceu pela sala adentro.
Depois de uma dezena de minutos Leandro Vegettal apareceu vendo a jovem sentada na poltrona fixada ao lado da porta de entrada da sala.
- Sim? O que é? – perguntou o ancião aproximando-se da moça.
- Seu Leandro, eu estou com um problema muito sério, muito grave mesmo. Eu queria que o senhor me benzesse.
- O que é que você tem minha filha?
Mais acanhada que sem-teto, pedindo pouso na casa de estranho, a rapariga balbuciou, murmurou, com voz tão baixa algumas palavras inaudíveis, naquele tom que mais lembrava o miado choroso de gata, que o mestre teve de aproximar sua orelha direita aos lábios da jovem.
- O que é filha?
- Eu estou com um problema. Não sei como resolver e por isso vim pedir seu conselho.
O velhote pensou em ralhar com a visita lembrando-a da impropriedade do horário, mas não disse nada; ao contrário, aproximando-se até a altura dos olhos da moça, olhando-os fixamente, encorajou-a:
- Fala, minha filha, o que é?
- Sabe o que é seu professor... Eu estou com uma coceira da bouba do rato aqui na minha pepeca. Quanto mais eu coço, mais vontade me dá de coçar. O senhor não pode me benzer?
- Coceira? Coceira na pepeca? Como assim? ... Comichão? – indagou o professor endireitando o corpo, afastando-se.
- É sim, professor. Eu não sei o que é isso. O senhor pode fazer alguma coisa?
- Ah, menina! Isso daí é só com o médico da terra, viu? Aqui não podemos fazer nada não, viu?
A moçoila sentiu uma decepção tão grande que não teve nem forças pra se levantar da poltrona quando o vetusto sugeriu que ela saísse.
De volta pra rua, onde o ar estava mais fresco, sentindo até mais frio do que de costume, a moça, cabisbaixa, frustrada, caminhou pelas ruas desertas em direção à sua morada.
- Isso é fogo no rabo, fiantã em ardência, cio de gata solitária, ausência de bem querer – respondeu o professor, ao caminhar pro quarto, arrastando as pantufas, quando a Benedita lhe perguntou o que era, o que significava, aquela lambança toda.